07 março 2006

Cajuda: uma vida, um destino.


O Processo Sumaríssimo inicia, a partir de hoje, uma série de posts que não são mais que uma retrospectiva de todo o trabalho/legado que grandes treinadores que passaram pelo futebol português, uns ainda em actividade, outros em actividade na SportTV, nos deixaram.

Existem vários candidatos, mas acho que ninguém me irá criticar se eu escolher como primeira personalidade a abordar Manuel Cajuda.

Nascido em Olhão, em 27-01-1951, esta referência mítica do futebol nacional abraçou a carreira de treinador há já muito tempo, tendo passado por várias equipas entre as quais Torreense, Sp.Braga, U.Leiria, Belenenses, Beira Mar, Marítimo, Naval e actualmente Zamalek, do Egipto. Um autêntico nómada, sendo algumas destas passagens bastante fugazes até.

Na sua obra, especial relevância para a criação e desenvolvimento da “Teoria do Cobertor”, adoptada por muitos actualmente como verdade absoluta, mas verdadeiramente revolucionária no seu tempo. Em poucas palavras, uma equipa de futebol é como um cobertor curto: quando se tapa a cabeça, destapam-se os pés e quando se tapam os pés, destapa-se a cabeça! Parece simples? Talvez agora, mas só um génio muito à frente do seu tempo teria a coragem e inteligência de ir contra os padrões estabelecidos com coisas como esta. Cajuda é um deles! Mas não se fica por aqui. Frases como "Pôr a carne toda no assador!" tornaram-se banais e não se faz justiça a quem as proferiu pela primeira vez. Ou quando teve a ousadia de dizer que "queria ganhar ao Benfica" e de facto ganhou, disse, em tom de aviso, à comunicação social: "Depois chamam-me lírico..."

Diz-se adepto do futebol de ataque, agradável ao adepto ou do simples espectador, recusa-se a jogar para o resultado pois seria assassinar o futebol. No entanto, a verdade é que Cajuda nunca conseguiu mais do que treinar equipas do meio da tabela que ocasionalmente poderiam espreitar a hipótese de ir para a Taça UEFA. Uma injustiça a uma velha raposa do futebol português. Com um treinador deste gabarito livre, porque é que o presidente do Vitória de Guimarães não optou por ele como treinador no início desta época ou em Dezembro, quando saiu Pacheco (curiosamente Cajuda “já” estava livre de novo)? E logo Cajuda, que sempre se recusou a mover influências para ter trabalho. Que nunca sequer lhe passou pela cabeça oferecer-se a um clube que seja!

Gostei especialmente da pré-época na Naval, quando depois de reunir com o presidente decidiu não ter jogadores emprestados no plantel. Era preferível “ficar 3 ou 4 lugares abaixo no campeonato mas na época seguinte não ser necessário reconstruir uma equipa de base”. Concordo com Cajuda. Mas não concordo com o seu professor de matemática do 6º ano, que provavelmente o passou de ano. Aparentemente Cajuda não sabe contar. Ficar 4 lugares abaixo do que conseguiria com emprestados era ficar abaixo de último (seria uma 19º ou 20º lugar). Ou será que Cajuda seriamente pensava em ficar em 10º com jogadores emprestados e 14º sem eles? Fica a dúvida.

Uma palavra para o seu filho Hugo Cajuda, que jogou no Braga B quando Manuel treinava o Sporting local. Central de marcação impiedoso, creio que chegou a fazer dupla com Ricardo Rocha. Uma lesão grave terminou a sua carreira prematuramente (com menos de 23 anos) mas Manuel deu-lhe a mão, enquanto treinava o Beira Mar, e iniciou-o na arte do treino. Em 1º lugar como observador de adversários. Via jogos, compilava informações, criava dvd´s sobre adversários específicos, era tudo muito profissional e do mais alto nível. Pelo menos até ao despedimento do pai do clube, semanas depois. Hugo Cajuda foi para o desemprego…

Há tantas outras coisas para versar… o discurso que ele tem nas entrevistas pós-jogo, nunca se importou de perder, desde que o espectáculo tenha sido bom. O romantismo com que fala das suas tácticas e dos seus jogadores! É nisto que o futebol português fica mais pobre quando vemos que ele emigrou para o Egipto onde finalmente alguém lhe reconheceu o valor que realmente tem!

Para concluir, mais uma pérola. Uma mensagem enviada para a APAF no início da época 2004/05:

Sr. Presidente,

Permita-me fazer de si o portador da seguinte mensagem para todo o mundo da arbitragem:

Felicidades e boa época de 2004/05 para todosComo sabe, sr. Presidente, eu que por vezes até falo (falava) demais, quero nesta poucas palavras expressar aquilo que desejo que possa ser o meu comportamento futuro na ajuda de um futebol melhor, com a promessa de tudo tentar fazer para também ajudar a arbitrar um futebol por vezes completamente "louco".

Um abraço do Treinador e Amigo

Manuel Cajuda.

Não é só um treinador. É um Amigo. Obrigado Manel!